Costuma-se dizer que o capitalismo é um estado natural da humanidade. Assim, se o capitalismo tem suas catástrofes, essas são igualmente catástrofes naturais, sem rosto, sem responsável. Afinal, como responsabilizar o índice Dow Jones? Como odiar uma instituição como o FMI? O LIVRO NEGRO DO CAPITALISMO é uma obra atual, séria e documentada sobre aspectos essenciais de um modelo econômico, de uma ideologia e de uma política que, na sua prática, têm — ao longo da história e em todo o mundo — produzido injustiça, discriminação, desigualdade e exclusão social.
Organizado por Gilles Perrault, esta obra reúne artigos de historiadores, economistas, sociólogos, sindicalistas e escritores como Jean Suret-Canale, Phillippe Paraire, Claude Willard, Pierre Durand, François Delpla, Robert Pac e Jean Ziegler. Cada um escolheu sobre que variável do capitalismo escrever: Escravidão, repressão, tortura, violência, roubo de terras e recursos naturais, criação e divisão artificial de países, imposição de ditaduras, embargos econômicos, destruição dos modos de vida dos povos e das culturais tradicionais, devastação ambiental, desastres ecológicos, fome e miséria.
Mas que adversário real ainda pode existir para o capitalismo, depois de ele ter vencido todas as batalhas? Para Gilles Perrault, o adversário é a multidão civil envolvida no processo. “O fantasma daquela multidão deportada da África para as Américas, daqueles sacrificados nas trincheiras de uma guerra absurda, daqueles queimados vivos pelo napalm, torturados até a morte nas celas dos cães de guarda do capitalismo, os fuzilados na Espanha, os fuzilados na Argélia, as centenas de milhares de massacrados na Indonésia, os que foram quase erradicados, como os índios das Américas, os que foram sistematicamente assassinados na China para garantir a livre circulação do ópio. De todos aqueles, as mãos dos sobreviventes receberam a chama da revolta do homem a quem a dignidade foi negada. As mãos quase inertes das crianças do Terceiro Mundo diariamente mortas aos milhares pela subnutrição, as mãos descarnadas dos povos condenados a pagar os juros de uma dívida que serviu apenas para enriquecer seus dirigentes, as mãos trêmulas dos que mendigam ao lado da opulência. Mãos que ainda irão se unir.” (Nota do livro)
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Prólogo - Gilles Perrault
Bem-aventurado capitalismo! Não anuncia nada e jamais promete alguma coisa. Nada de manifestos nem de declarações em vinte pontos programando a felicidade de “pronta entrega”. Ele o consagra, o estripa, o escraviza, o martiriza – enfim, o decepciona! Você tem o direito de se sentir infeliz, mas não decepcionado, pois a decepção supõe um compromisso traído. Aqueles que anunciam o amanhã, cantando por mais justiça, expõem-se à acusação de fraude quando a tentativa soçobra numa terrível cacofonia. O capitalismo conjuga-se prudentemente no presente.
Ele é. O futuro? Entrega-o de livre vontade aos sonhadores, aos ideólogos e aos ecologistas. Também os seus crimes são quase perfeitos. Nenhum vestígio escrito comprovando a premeditação. O Terror de 1793 – é fácil para aqueles que não gostam de revoluções imaginar os responsáveis: as Luzes e essa irrazoável vontade de ordenar a sociedade segundo a razão razoável. No caso do comunismo, as bibliotecas estão abarrotadas de obras que o incriminam. Nada disso para o capitalismo.
Não é a ele que podemos censurar por fabricar infelicidade pretendendo trazer felicidade. Não aceita ser julgado a não ser sobre o que desde sempre o motivou: a procura do máximo lucro no mínimo de tempo. Os outros se interessam pelo homem, ele ocupa-se da mercadoria. Já se ouviu falar de mercadorias felizes ou infelizes? Os únicos balanços que valem alguma coisa são os balanços contábeis. Falar de crimes é não ser pertinente. Evoquemos antes as catástrofes naturais.
Não se cansam de o inocular com isto: o capitalismo é o estado natural da Humanidade. A Humanidade está no capitalismo como um peixe no ar. Só mesmo a arrogância fútil dos ideólogos para querer mudar a ordem das coisas, com as lamentáveis conseqüências cíclicas que já sabemos: revolução, repressão, decepção, contrição. Eis precisamente o verdadeiro pecado original do homem: esse perpétuo bicho-carpinteiro que o leva a sacudir o jugo, a ilusão lírica de um futuro livre de exploração, a pretensão de mudar a ordem natural das coisas. Não se mexa: o capitalismo mexe-se por você.
Mas, é claro, a natureza tem as catástrofes; o capitalismo também. Quem se lembraria de procurar os responsáveis por um tremor de terra ou para um maremoto? O crime implica, antes de mais nada, a existência de criminosos. Para o comunismo, as fichas antropométricas são fáceis de fazer: dois barbudos, um de barbicha, um de óculos, um bigodudo, um que atravessa o Yang-Tse a nado, um apaixonado por charutos, etc.
Podemos odiar estes rostos. São de carne e osso. Tratando-se do capitalismo, só existem índices: Dow Jones, CAC 40, Nikkei, etc. Experimente, só para ver, detestar um índice. O Império do Mal tem sempre uma área geográfica, é localizável. O capitalismo está por toda a parte e não está em lugar nenhum. A quem endereçar as intimações para ir a um eventual tribunal de Nurenberg?
Capitalismo? Que arcaísmo mais obsoleto! Atualize-se e use a palavra adequada: liberalismo. O dicionário define “liberal” como “o que é digno de um homem livre”. Não soa bem? E oferece-nos uma lista convincente de antônimos: avaro, autocrata, ditatorial, dirigista, fascista, totalitário. Você encontraria possivelmente várias desculpas para se definir como anticapitalista, mas confesse que iria precisar de muita astúcia para se proclamar antiliberal.
O que é, afinal, essa história de um Livro Negro do Capitalismo? Não vêem que um empreendimento tão desmedido é puro delírio? O pior assassino de massas da História, estamos de acordo, mas um assassino sem rosto nem código genético e que opera impunemente há vários séculos em cinco continentes... Desejamos a vocês muita sorte. E para que? Não ouviram o som do gongo anunciando ao mesmo tempo o fim do jogo e o fim da História? Ele ganhou. Incorpora à sua robusta versão mafiosa os despojos dos seus inimigos.
Que adversário imaginável no horizonte?
Que adversário? Esse imenso cortejo das partes civis do processo. Os mortos e os vivos. A multidão sem número daqueles que foram deportados da África para as Américas, esmagados nas trincheiras de uma guerra imbecil, assados vivos pelo napalm, torturados até à morte nos calabouços dos cães de guarda do capitalismo, fuzilados no Muro dos Federados, fuzilados em Fourmies, fuzilados em Sétif, massacrados às centenas de milhares na Indonésia, praticamente erradicados tal como os índios da América, assassinados em massa na China para assegurar a livre circulação do ópio...
De todos estes, as mãos dos vivos receberam a chama da revolta do homem negado na sua dignidade. Mãos em breve inertes dessas crianças do Terceiro Mundo que a má nutrição, diariamente, mata às dezenas de milhares; mãos descarnadas dos povos condenados a reembolsar os juros de uma dívida que seus dirigentes marionetes roubaram; mãos trêmulas dos excluídos cada vez mais numerosos acampando nas margens da opulência...
Mãos de uma trágica fragilidade e no momento desunidas. Mas elas não podem deixar de se unir um dia. E, nesse dia, a chama que elas transportam incendiará o mundo.
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